Retratação do Folclore Brasileiro criado pelo coletivo Proferia, produtora artística da Brasilândia com o intuito em promover e incentivar artistas e criações periféricas.

Negrinho do pastoreio. Ou, criança negra afrobrasileira escravizada que sofria maus tratos do Senhor de Engenho? Conhecemos sua história pelo fato de ser emblemática a imagem de um homem negro com cerca de 10/11 anos sentado num formigueiro como punição por ter deixado os cavalos do Traficante de Engenho escaparem mata a dentro. A história do "Negrinho" remonta a história de um patriarcado branco onde o homem negro cis NÃO tem privilégios ao lado do homem branco, pelo contrário, é a mão de obra mais barata do nosso país e quem menos está nas universidades, porém, lotando os presídios. Esse personagem do nosso folclore é inquietante por ser só, o Negrinho não tem pai ou mãe, ele tem ele. Quantos deles nos pedem uma moeda quando passeamos nas grandes avenidas das capitais do país? Quando deles dormem em portas de banco? Quantos Negrinhos você já viu debaixo de um sol de 38° C ou frio 5° C? Quando nos deparamos com meninos negros em situação de vulnerabilidade socioeconômica se abrigando em estátuas nas ruas deveríamos nos perguntar: Porque? Porque existe uma constância na cor de pele e no gênero? Aquele Traficante de Engenho que o mandou sentar no formigueiro é o mesmo que hoje se banha com dinheiro público e passeia em carros que estão sendo pagos com o sangue de pessoas como o Negrinho do pastoreio, ou até mesmos dos pais e avós que ele não conheceu. Aquele Senhor de Engenho que o agrediu, hoje é se personifica na imagem do policial, que não nos identifica pelo nome, mas pela pele, apenas como "Negrinho", assim, se aprontando para substituir formigas por balas.
Retratação do Folclore Brasileiro.
Diretor Criativo e Edição: Lucas Ferreira Silva
Stylist: Tay Luzzi
Beleza: Isis Velozo
Texto: Murillo Carvalho
Produção: Proferia
Assist Produção: ViitiNho Hugo

Curupira, ao lado do Saci Pererê, é um dos personagens mais conhecidos do nosso folclore. Cabelos de chamas, pés para trás e uma força tremenda em proteger a fauna e a flora. Talvez nossos governantes não o conheçam. Certamente os resíduos de petróleo, a poluição do rio Tietê e as queimadas políticas na Amazônia não são de agrado do personagem folclórico. Em 1500 é evidenciado a retirada de "riquezas" naturais dos solos "brasileiro" (talvez esse nome não seja adequado para a época) para benefícios de homens cis brancos cristão (talvez) heterossexuais, e hoje, já se passaram 520 anos e vemos as mesmas atividades pelo mesmo grupo de pessoas: Brancos euro-brasileiros que odeiam seu próprio povo entregando a maior floresta subtropical do mundo de bandeja para estadunidenses. Os diversos povos indígenas, de incontáveis etnias, estão na linha de frente desse processo, são eles e elas que resistem ao longo da história desse país por suas demarcações de território, preservação de tradições e inserção destas últimas no que chamamos de "cultura nacional", alertando para os negros e brancos que a guerra travada pelos seus ancestrais contra colonos traficantes de escravos está tão viva no século XXI, quanto o racismo sofrido pela população afrodescendente. Curupira se materializa como a força da luta indígena e quilombola que não permitirá o embrulho da nossa mata, como presente para empresas privadas de brancos anglo-estadunidenses, ou seja, de origem inglesa.
Retratação do Folclore Brasileiro.
O curupira.
Diretor Criativo & Editor: Lucas Ferreira Silva
Foto: Lucas Ferreira Silva
Texto: Murillo Carvalho
Produção: Proferia
Assist Produção: Nathalia
Saci Pererê, personagem do folclore brasileiro conhecido por ser guardião de ervas medicinais e as proteger de intrusos que tentam as levar, se materializa no século XXI em diversas personas negras das grandes periferias brasileiras. O saci é lembrado sempre pela sua cor de pele que denuncia sua afrodescendência, seu gorro vermelho extremamente poderoso e por obter apenas uma perna, sendo a outra amputada.
O Saci, sem dúvida, é o personagem mais marcante do nosso folclore, porém, tão desmericido e desrespeitado como todos os outros. Todavia, todos os dias dentro de alguma periferia brasileira, os Sacis da atualidade travam batalhas para defender suas ervas preciosas: seu povo.
Existem, atualmente, os Sacis favelados que não possuem gorro mas possuem microfones, e fazem dele seus instrumentos de poder, tão poderoso quanto o capuz vermelho de seus ancestral folclórico. Através desse micronfone, esse homem perêrê das quebradas denuncia a violência vivida cotidianamente pelos seus irmãos e irmãs: educação e saúde sucateadas, falta de escolas públicas de qualidade, violência policial, falta de emprego ou excesso de subemprego. Nossos Sacis do microfone, mais conhecidos como Rappers, são um dos responsáveis pelo exercício da cultura periférica, sua exaltação e seu poder de ser um escudo contra os jornais sensasionaliatas e as promessas não cumpridas de políticos.
Temos outros Sacis que também possuem microfone, mas, sua grande característica, de longe, é algo que também vai a sua cabeça, mas não é um gorro; nem mesmo vermelho na maioria das vezes: seu juliette. Estes protetores de nossas ervas medicinais preciosas rasgaram o gorro vermelho do ancestral e estamparam por todo corpo, sendo identificado pela sua bermuda da Oakley, seu minuzo, a camisa da Lacoste, Juliette na testa e o micronfone na mão. No folclore, o Saci é conhecido por pregar peças nas pessoas e ser garoto perverso. Aqui não é diferente. Através de suas letras de funk que desmascaram a falsa moralidade sexual da nossa sociedade o prazer, se tornam as figuras mais complexas da periferia. Além disso, seus filhos, que se vestem ao seu gosto, pregam peças em cima de motos, confundindo seus perseguidores que usam fardas em nome do governo, mas não conhecem os becos e vielas onde os Sacis contemporâneos se escondem com tanta facilidade.
Por último, temos a terceira ramificação de nossa entidade folclórica. A mais contraditória talvez, todavia, a mais direta. Falo daqueles homens que passam as madrugadas nas esquinas, fazendo aquilo que não pode ser dito e jamais pensado perto das crianças. Aquele Saci Pererê que se autointitulou o nosso governante. Geralmente visto por baixo de uma pele preta, sempre muito discreto, mas que todos o conhece. Lembra das crianças no dia 12 de outubro, faz com que os filhos respeitem as mães e que quase nunca está sem uma primeira dama ao lado. Esse Preto Pererê, não negocia com o estado, nem ao menos que saber dele. Entretanto, todos querem saber quem ele é, onde vive, como vive e com quem vive. É colado em pauta até se ele possui sentimentos humanos; ora, porque não teria?!? Esse saci, talvez, seja o que gera mais reações em quem lhe assisti performar uma masculinidade exacerbada, e também aquele que o governo enche a boca para dizer que capturou, afirmando que eles são a raiz do problema. Sendo que a raiz do problema não é executada por preto, nem por pobre e favelado. O problema começa em Miami, com um homem branco assinando o trato com empresários brasileiros.
Se entende que que existem 5 formas de capturar o saci:
1)Indo até os redemoinhos, que é onde ele vive, ou seja, na favela/no morro/na quebrada.
2) Segundo as lendas, a primeira coisa a se fazer é retirar o seu capuz, ou seja, a raiz de seu poder. Já imaginou o Sabotage ou o Mano Brown sem microfone? Já imaginou Mc Gw sem o juliette e seu micronfone?
3) Espalhe pedaços de barbantes em algum lugar, ele não sairá de lá enquanto não os tirar, assim, poderão pendê-lo. Nessa perspectiva imaginamos o turbante como sendo barracos quebrados e despedaçados pela polícia, como artifício para atrair os nossos Sacis.
4) procure rios e córregos para atraí-los pois eles não podem seguir esses caminhos ilesos, ou melhor, atraia-os para as grandes avenidas ou bairros nobres, onde sua imagem representa o medo, o impuro e criminoso.
5) Após capturá-lo coloque-o numa garrafa para fazer com que ele nunca mais saia. Ou melhor, após prendê-lo, jogue-o em uma cela de um metro e meio quadrados, e acuse-o de tráfico de drogas, e o deixe lá até a morte.
A idade máxima da vida do Saci folclórico é de 77 anos. Mas os nosso, vivem em média até os 35.
Diretor Criativo e Editor: Lucas Ferreira Silva
Stylist: Tay Luzzi
Texto: Murillo Carvalho
Modelo: Carlos Eduardo
Produção: Proferia
Assist Produção: ViitiNho Hugo
O Boto cor-de-rosa, o penúltimo dos mais famosos personagens que iremos trazer à luz desse imenso trabalho, é conhecido por seduzir mulheres e homens e levá-los/las para o lago, se envolver com eles/as sexualmente e depois, no caso das mulheres engravidá-las sem que seus maridos saibam como isso ocorreu, caindo a culpa para elas. O Boto pode ser lido na nossa sociedade como: o enigmático estereótipo do negro estuprador estudado por Ângela Davis e o negro sexualizado, muito evocado e interiorizado pelos mesmos.
Aquele homem negro forte, tido como animal sexual selvagem, cujo o corpo é lido como uma atmosfera impermeável, arrogantemente sólida. Por vezes, o Boto é visto em forma de homens em festas e eventos, onde capturará suas vítimas. Essa festa pode ser evocada no axé e no pagode, ritmos que estão associados à essa figura extra-masculina e sexual, ou até mesmo o futebol. Diogo Nogueira, Alexandre Pires, Thiaguinho, Gabigol, Xandy, Neymar, Ronaldinho Gaúcho, Jacaré, Léo Santana, eis os Botos.
Além dessa primeira encarnação do Boto em nossa cultura, o personagem folclórico é lembrado por filhos que fez mas não criou. Essa imagem é vista por mulheres e crianças cujos pais/maridos, em muitos casos, homens negros, são ausentes na criação de seus filhos, recaindo sobre as mães pretas os inúmeros papéis que eram para serem divididos. Assim como o Boto, depois de seus feitos some sobre as águas, o paradeiro deste homem é incerto e duvidoso. A história do "promissor vagabundo" cantada por Racionais Mc's, de semelhanças inegáveis com o personagem amazônico, infelizmente, é presente nas inúmeras famílias (consequentemente) matriarcais das periferias do país.
Diretor Criativo e Editor: Lucas Ferreira Silva
Foto: Milena Fonseca
​​​​​​​Texto: Murillo Carvalho
Modelo: Carlos Eduardo
Produção: Proferia
Assist Produção: ViitiNho Hugo
Iara. Mulher de pele escura, inspirada numa índia brasileira, romantizada e sexualizada ao longo da nossa história. Nada mais colonial e racista do que acusar uma mulher indígena de seduzir homens e matá-los. Não se deve confundir vingança com sadismo. Em nome de suas irmãs africanas e indígenas que foram e são violadas pela presença maléfica do homem branco nas terras brasileiras, Iara se mostra, tanto quanto curupira, uma protetora do seu povo e de suas raízes e razões. Hoje, no Brasil, mulheres não-brancas são as que mais sofrem violência doméstica, as que mais sofrem violências "sexuais" e são a maior parte das mães solos, além disso, empregadas domésticas (que são majoritariamente pretas), são a segunda maior população de mortos pelo COVID-19. E a pergunta continua: cadê o mínimo de respeito do líder do executivo sobre essas mortes que mais se aproximam de genocídio e feminicídio? Qual o significado "Das Iaras" no Palácio da alvorada para quem está lá dentro? Qual será a sensação de olhá-las toda a manhã e talvez imaginar que suas semelhantes estão sendo massacradas, ora pelo Estado e Patriarcado Branco-europeu, ora pela imprudência de autoridades públicas em relação ao Coronavírus? Tal personagem folclórica, está nos bailes funks, nas comunidades indígenas e quilombolas, estão em universidades e ainda, infelizmente, nas amarras sexistas, racistas e genocidas da tão célebre "cultura brasileira", que se orgulha de celebrar uma mulher branca "pura" no catolicismo, e se deixa esvaziar de sentido uma sereia negra-indígena justiceira no folclore.
Retratação do Folclore Brasileiro.
O curupira.
Diretor Criativo: Lucas Ferreira Silva
Foto: Milena Fonseca
Stylist: Tay Luzzi e Isis Velozo
Texto: Murillo Carvalho
Modelo: Carlos Eduardo
Produção: Proferia
Assist Produção: ViitiNho Hugo
Folclore Brasileiro
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